A crise das Startups e o instinto de sobrevivência das grandes empresas

Em poucos momentos da história vimos uma mudança tão relevante na taxa de juros, que acabou atingindo a todos. A crise econômica que vemos hoje afetando as empresas, desde startups até grandes companhias, é consequência desta alteração relevante no custo do dinheiro. Houve uma evolução acentuada da taxa de juros de 2021 para cá, partindo de uma taxa baixa, em torno de 2% ao ano no Brasil, enquanto nos Estados Unidos estava próxima de zero.  

 

Hoje, com a elevação da taxa Selic para 13,75% ao ano no Brasil, 5,25% pelo Federal Reserve nos Estados Unidos e mais recentemente para 5% pelo Banco Central Britânico, os investidores redirecionaram os recursos para obter estes ganhos e o dinheiro tornou-se escasso para financiar empresas, que perderam valor e terminaram demitindo parte do quadro de funcionários. 


A taxa de juros e os investimentos


No período de taxas de juros baixas, os recursos dos investidores fluíam para os negócios, especialmente para startups, e havia um tempo de espera de um, dois, cinco, até dez anos para a empresa tornar-se lucrativa e provar sua tese de negócios. De repente, quem emprestava dinheiro para empresas mudou de perspectiva diante de um cenário com taxa de retorno na ordem de 5 % a 6%. Portanto, o dinheiro 

ficou menos paciente. É o que chamamos de custo de oportunidade para o investidor: minha oportunidade melhorou, minha alternativa melhorou e, antes de dar o dinheiro para a startup, prefiro seguir no retorno com mais previsibilidade.  

 

Isso mudou o valuation das empresas que já estão com capital aberto em bolsa e tornou a disponibilidade de recursos mais escassa para os empreendedores acertarem seu modelo de negócio. Se antes era possível esperar anos, agora a expectativa é de se obter retorno em um período muito mais curto. Alguns tiveram que adequar sua estrutura de custos para chegar a um modelo rentável, com equipes menores e mais ágil, porque o dinheiro ficou menos paciente. 


Saímos de um extremo para o outro. O dinheiro estava muito disponível, viabilizando inclusive negócios que talvez nunca se provassem rentáveis. Hoje o dinheiro está com visão de curtíssimo prazo porque o custo de oportunidade é muito alto. Pode estar penalizando empresas que poderiam ter um futuro promissor, mas talvez elas não tenham um tempo para amadurecer o seu modelo de negócio. A tendência é de um retorno ao equilíbrio das taxas de juros dentro de algum tempo, um ou dois anos, possibilitando o financiamento de bons projetos.  



O Instinto de sobrevivência



Quando falamos de empresas estabelecidas no país, todas elas têm um instinto de sobrevivência muito aguçado que está relacionado à geração de resultado de curto prazo. Até por uma questão de disponibilidade de caixa, as empresas sabem que têm um tempo limitado para dar prejuízo e, se for necessário, precisarão se reposicionar. Se for no varejo, uma opção é fechar lojas e achar um outro canal de atendimento; se for manufatura, pode-se rever os processos; se for prestação de serviço, também tem a ver com treinamento e qualificação. 

 

Este instinto de curto prazo é o verdadeiro instinto de sobrevivência. A mortalidade de empresas no Brasil é alta porque o ambiente de negócio também muda rápido, muda a taxa de juros, muda a regulação, muda a tributação, muda o hábito do consumidor, uma série de coisas e essa agilidade, essa sensibilidade do curto prazo as empresas precisam ter. De acordo com dados do Sebrae, a maior taxa de mortalidade de empresas é verificada no comércio (30,2% fecham em 5 anos), seguida pela indústria de transformação (com 27,3%) e serviços (com 26,6%). 

 

Quando falamos de visão de longo prazo, por sua vez, há um conjunto muito menor de empresas avaliando, estudando e se posicionando com este direcionamento. São tipicamente as grandes companhias que podem se dar a esse luxo, digamos assim, pois de uma maneira geral elas têm um tempo de mudança mais longo e têm mais recursos disponíveis, como pessoas, informação, recursos financeiros e podem se antecipar. 


Geração de valor no longo prazo

  

Empresas de porte médio muitas vezes caem na armadilha de focar no curto prazo tentando resolver o problema do dia, o desafio do mês, sem ter uma estratégia de geração de valor no longo prazo. Muitas vezes falta um programa de treinamento de funcionários, uma previsão de investimento em tecnologia, um plano de expansão ou um programa de consolidação, no qual a empresa adquire algum concorrente e cresce de tamanho. 

 

Para uma organização ser capaz de gerar valor no longo prazo ela precisa considerar pelo menos dois pontos fundamentais. O primeiro é ter uma estratégia, porque o cenário muda ao seu redor, a tecnologia muda, a forma como os concorrentes atuam, o comportamento dos clientes, a disponibilidade da mão de obra. Então a empresa precisa ter uma leitura do ambiente onde está inserida e a partir disso definir aonde quer chegar e trabalhar numa estratégia para avançar. Junto com esse elemento há outro ponto também muito importante que é a qualidade da gestão da empresa no dia a dia. É uma combinação de longo prazo, com a estratégia, com o curto prazo de uma gestão eficiente, que vai permitir que a empresa gere valor.  Confira nosso vídeo sobre o assunto.

 

Por Carlos Fadigas - 29/06/2023